quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ADORNO e HORKHEIMER


Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é pseudo individualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena de determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por fracos de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre (...): são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fossem por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela de cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudo-idividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim mera encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular.

ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento

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