terça-feira, 15 de novembro de 2011

A DEVORAÇÃO DA ESPERANÇA NO PRÓXIMO


"(...) No individualismo contemporâneo, a impessoalidade converteu-se em indiferença e os elos afetivos da intimidade foram cercados de medo, reserva, reticência e desejo de autoproteçâo. Pouco a pouco, desaprendemos a gostar de "gente". Entre quatro paredes ou no anonimato das ruas, o semelhante não ê mais o próximo-solidário; é o inimigo que traz intranqüilidade, dor ou sofrimento. Conhecer alguém; aproximar-se de alguém; relacionar-se intimamente com alguém passou a ser uma tarefa cansativa. Tudo é motivo de conflito, desconfiança, incerteza e perplexidade. Ninguém satisfaz a ninguém. Na praça ou na casa vivemos - quando vivemos! - uma felicidade de meio expediente, em que reina a impressão de que perdemos a vida 'em colherinhas de café"'.
As elites ocidentais são elites sem causa e, no Brasil, estamos repetindo o que, secularmente, aprendemos a imitar. Como nossos modelos europeus e americanos, reagimos ao sentimento de miséria em meio ã opulência com apatia, imobilidade e conformismo. Construir um mundo justo? Para quê? Para quem? Por acaso um mundo mais justo seria aquele em que todos pudessem ter acesso ao que as elites têm? Mas o que têm as elites a oferecer? Consumo, tédio, insatisfação e ostentação. Bem ou mal, em nossa tradição moral e intelectual, respondíamos às crises de identidade reinventando utópicas formas de vida em mundos melhores. Hoje, aposentamos os 'Rousseau'. Em vez de utopias, manuais de auto-ajuda, psicofármacos, cocaína e terapêuticas diversas para os que têm dinheiro; banditismo, vagabundagem, mendicância ou religiosismo fanático para os que apenas sobrevivem (...)
(...) Fizemos de nossas vidas claustros sem virtudes; encolhemos nossos sonhos para que coubessem em nossas ínfimas singularidades interiores; vasculhamos nossos corpos, sexos e sentimentos com a obsessão de quem vive um transe narcísico, e, enfim, aqui estamos nós, prisioneiros de cartões de crédito, carreiras de cocaína e da dolorosa consciência de que nenhuma fantasia sexual ou romântica pOde saciar a voracidade com que desejamos ser felizes. Sozinhos em nossa descrença, suplicamos proteção a economistas, policiais, especuladores e investidores estrangeiros, como se algum deles pudesse restituir a esperança "no próximo" que a lógica da mercadoria devorou ( ... )”

FONTE: ______________________ 
(FREIRE COSTA. Jurandir. Folha de S,Pou(o. 22 set, 1996. Maisl 5" Caderno. p, 5-8. In: AAVV. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2002, pp. 116-117)

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